Pedro "Anónino" escolheu outro reino

O Pedro era um rapaz bem disposto, com humor, que onde estivesse, criava um bom ambiente.
Era amigo, um criativo, um rapaz que gostava de fazer o que o seu coração lhe indicava.
Em tudo que fazia, colocava o seu empenho. Dedicava 100% de si, a cada projeto. Cada peça que saía das suas mãos era uma obra de arte.
Conhecia o Pedro, há uns 20 anos, não falávamos muitas vezes, mas sempre que isso acontecia, era como se nos tivéssemos falado no dia anterior.
Tratávamo-nos por "Anónino", fruto de uma brincadeira de tempos idos, em que quando atendíamos o telemóvel, o ritual era:
- "Tou? quem fala?
- Quem fala daí?
- Daqui é o anónino.
- Ah! daqui também é o anónino ".
Bem, no fim disto, riamos, riamos e depois é que começava a conversa.
O Pedro tinha sonhos, tinha filhos que amava profundamente, amava o que fazia e talvez tivesse plano não sei. Não falava com ele há uns meses.
Quando soube da notícia que ele tinha decidido por fim à sua vida neste mundo, fiquei sem palavras, incrédula e ainda estou a mastigar este acontecimento, pensando mutas vezes que é mentira. Mas não. Não infelizmente não é mentira.
Há pelo menos 2 coisas que o Pedro era.
- Muito sensível, diria que com um coração de mulher, para as questões da natureza, das crianças, do terra do planeta, da criação.
As coisas diferentes, originais, criar a novidade, era sempre o que ele procurava. Andava à frente do tempo com a sua criatividade.
- Mas o Pedro também era teimoso e perfecionista. E quando metia as mãos na massa, não largava até que estivesse perfeito. Se preciso fosse, desfazia e fazia 10 vezes pois tinha que ficar 100%.
Era tal o tamanho da sua perfeição como de seriedade e verdade. Dava ideias, sugestões de peças diferentes e belas, sem cobrar nada. Não se fazia valer da sua sabedoria, do saber fazer para vender. Nâo sabia fazer marketing, não sabia ser comercial, nem explorador.
O que me dói, para além da grande perda que foi o Pedro, é sentir e ver que infelizmente, vivemos num mundo do salve-se quem puder. Ao qual eu chamo o Reino onde abunda a grandeza do vazio.
O Pedro era uma pessoa de relações, de estar, de sentir, de conversar. Não era nada do online. O digital não era para ele. Redes sociais, sites, etc.
Com a pandemia do Covid 19, viu-se obrigado a ter alguma presença digital por mínima que fosse, indispensável para que conhecessem o trabalho dele. Ajudei-o nesse processo o melhor que soube e pude, tentando fazer o que ele precisava para ser conhecido. Mas no fundo o que ele precisava era de alguém que investisse nele, com estofo financeiro, para poder por em prática as ideias e projetos engavetados. E ao mesmo tempo de pessoas sérias como ele. (sem meandros, sem esquemas ou "chico espertismo").
Trabalhava dia e noite, fazia e desfazia as suas próprias ferramentas.
Andava cansado de lutar, trabalhar, lutar, trabalhar e creio que a falta da presença física das pessoas também mexeu com ele.
Nunca mais esquecerei o "Anónino", a luta dele para que acreditassem no trabalho dele. Da procura pela oportunidade.
A verdade é que não sei o que se passou na cabeça dele que decidiu por termo à vida muito cedo. Era da minha idade 50, 51 anos.
Escrevo isto, para que fique registado e seja exemplo para outros "Pedro's". Pois haverá certamente mais talentos como este "anónino's", que não são conhecidos, não são vistos, nem falados e nem encontram alguém, que possa fazer isso por eles. Sabem fazer, são bons, mas depois falta a outra parte de mostrar de chamar à atenção de saber vender.
O que ele fazia era arte, detalhe, pormenor, criação, qualidade, mas quem valoriza isso?
Em primeiro lugar neste mundo que estamos a viver, está o dinheiro, a ganância, a aparência, o ter e mostrar essa opulência, conseguida muitas vezes, à custa do suor de outros sendo que alguns são artistas, criadores.
A nível empresarial, no mundo dos negócios, por exemplo, porque mandar fazer algo ao Pedro que é aqui na porta ao lado, se as cópias vindas de outros continentes, são muito mais baratas? Para que comprar aos nossos portugueses quando importando fica mais económico? (daria para um outro tema este assunto).
Deixo aqui escrito este texto para de alguma forma dar voz aqueles que não têm voz e sozinhos nesta caminhada, desistem ou caiem mesmo para o lado pela falta de um "Cirineu", figura que está em extinção.
Talvez até tivessem existido vozes a dizer-lhe, Pedro, não leves essa cruz, pega outra mais leve. Mas as coisas não são assim. Porque quanto maior é a paixão, maior o peso, maior a dor, maior aquilo em que se acredita. E só precisamos que alguém nos apoie, nada mais. Para isso é que somos pessoas humanas. Mas não, infelizmente já quase não há pessoas, amigos #Cirineus".
Também não deixo de dizer uma coisa para os "Pedro's / Anóninos" que existem.
Se quiserem continuar a fazer parte deste reino, vão pelo Caminho do Meio. Tentem vencer o perfecionismo e a teimosia. Estas são as balizas, se as ultrapassar, facilmente poderá cair para um outro reino.
Obrigada Pedro pelo que aprendi contigo e quem sabe nos encontraremos numa outra vida. Vou ter saudades tuas "Anónino".
Um beijo e até sempre.
Carla Cristina Mendes Gomes Ribeiro de Almeida - #ccmgra
24 de Junho de 2021