Gerações e seus conflitos

17-07-2019

Há uns tempos dei-me conta de pensar o seguinte:

Ouço os filhos falarem dos pais e os pais a falarem dos filhos.
É muito interessante constatar que ambos têm e não têm razão.

Da parte dos filhos oiço:
Pois, porque não me aceitam como sou;
Não compreendem que eu sou assim;
Estão sempre a comparar-me com outros melhores;
Nunca chego onde os meus pais espectavam;
Se eu gasto dinheiro numa coisa que eles acham que não é o essencial, já me estão a chamar à atenção e a dar um sermão;
Porque não posso fazer nada, que eles querem sempre saber. Se não digo que já cheguei, passam a noite sem dormir;
Se acordo mais tarde, já me chamam de preguiçoso;
Se reivindico direitos, mais valia estar calado;
Já não sei o que dizer ou falar na frente dos meus pais;
Eles acham que eu tenho que fazer como eles fizeram,
Etc, etc,
Não tem fim, a lista de coisas que poderia estar para aqui a escrever.

Por outro lado, ouço os pais que dizem:
Pois, porque fiz e faço tudo por ele(a);
No meu tempo nem sabia o que era dormir até mais tarde;
Se ensino ou digo como faço ou fazia, já não quer ouvir;
E vem-me com a teoria de o que interessa é ser feliz;
E não são capazes de fazer um sacrifício;
E para que ele(a) estudasse eu tive que trabalhar de sol a sol;
No meu tempo comíamos metade de uma sardinha cada um;
Ainda me lembro de ir para a escola e muitos na terem merenda para comer;
Se eu dizia que não queria ir à escola, ou fazia alguma brincadeira que não era bem vista, a minha mãe ou meu pai, davam-me uma carga de "porrada".
Para eu ir á escola todos os dias, tinha que ir a pé, por geadas ainda de noite e fazer 10Km ou mais para lá e para cá;
Hoje eles têm tudo de mão beijada e não agradecem nada;
Ainda me lembro da sova que a minha mãe me deu, por não ter feito aquilo que ela mandou;
Tive que abrir os olhos por mim, porque fiquei cedo sem os meus pais;
Casei e fizemos a nossa casinha, com muitos sacrifícios. Não soube o que eram uma férias;
Nunca ouvi falar de esgotamento ou depressão e muito menos stress;
Levantava-me cedo, e ia para o campo;
Prendas de aniversário ou de Natal, o que era isso?
Bolos, bolachas, algo doce...não havia;
Aprendi a cozer meias, a remendar e a reutilizar;
Carne, peixe? Havia uma vez por festa ou muito raramente;
Ser criança? Nem me lembro, comecei muito cedo a trabalhar para ajudar em casa;
Fui servir para um senhores no Porto ou em Lisboa;
Fui estudar, porque eu era a mais fraquinha dos filhos e não servia para o campo;
Não me lembro de a minha mãe ou meu pai terem tempo para mim;
O que o meu pai dizia era lei;
Se eu não gostava de favas obrigavam-me a comer; e ai de mim que dissesse novamente que não gostava, se não mais comia.
Nunca soube o que era um beijo do meu pai.
Etc, etc.

É muito difícil para os filhos perceberem os pais e vice-versa, pois cada um vive ou viveu as suas experiências.
Sendo pais ou filhos, há uma coisa que é importante cada um refletir:
Se eu tivesse sido pai ou mãe naquele tempo, será que eu não teria agido da mesma forma ou pior?
Sim, podia ter regido melhor. Ok, então mostra-mo agora. Que estás na situação atual, muito melhor, pelo menos não passas fome, mostra-me como reages? Como és para s teus filhos?
Se és permissivo, daqui a pouco são eles que fazem de ti "gato-sapato";
Se não és permissivo, mas um pouco autoritário, vêm os filhos com complexos, inseguros e com baixa autoestima.
Não estou a fazer juízos de valor, estou a penas a deitar para o papel, aquilo de que me apercebo.
E Na verdade, estão todos certos e todos errados, mais uma vez temos que ir para o equilíbrio. Mas enquanto isso não acontece, vamos tendo muitos pais e filhos infelizes.
Sabem o que penso sobre isso? Seria tudo muito simples, se conseguíssemos ter uma atitude de Compaixão.
A compaixão, faz coisas incríveis, e é um dom. Também tem que se querer muito ser compassivo. Não se aprende tudo nos livros, mas sim com as vivências que cada um tem ou procura.
A compaixão penso que seja a único ingrediente que possa trazer paz a uns e a outros. Porque vejamos o seguinte:
Ser pai e/ou mãe não e fácil. E fosse de que forma fosse, todos os que estão para trás de nós, pais, tios, primos, amigos, foram uns HEROIS! Sim, é isso mesmo, Heróis.
Será que cada um de nós, teria conseguido passar por aquilo que eles passaram e ainda por cima conseguir dar aos filhos o que deram?
Já pensaram a quantidade de coisas que eles abdicaram, para que os filhos tivessem? Os sacrifícios que eles passaram para que os filhos não tivessem que os passar?
O que eles não comeram para terem para os filhos? Os trabalhos que se sujeitavam a fazer, para que os filhos não tivessem que passar por isso?
Se fossem os filhos? Passariam isso pelos pais? Como seria comer meia sardinha?, quando hoje até podemos comer sushi?
Como seria não ter sido criança, porque cedo teve que se ir trabalhar muitas vezes para fora do país? Para quê ou para quem? Para os filhos. Arranjar dinheiro para fazer uma casinha para a mulher e filhos. Como seria passar momentos de frio, quando hoje temos ar condicionado e todas as comodidades? Será que existe algum filho que me lê, que possa dizer, eu teria tudo o que sou hoje independentemente dos pais que tive e do que fizeram por mim. Não sei... Duvido.
Ah, mas eles são uns chatos, estão sempre a lembrar-me que tenho de poupar, quando eu hoje, preciso é de ter qualidade de vida. Passear, relaxar, comer bem, beber bem, obter prazer, etc, etc.
Sim, sim, entendo, mas também entendo que para eles não seja fácil, verem a nossa qualidade de vida, em que é tudo menos dar-lhes a nossa presença, o nosso afeto, o nosso amor/carinho, ou pelo menos ouvi-los.
Afinal de contas, quem foram ou nossos grandes mestres?
Formam os amigos? Foram aqueles com os quais agora passamos tempo? Serão os telemóveis ou facebook que nos fazem companhia e até conseguimos saber o que se passa longe de nós? Será a sociedade que nos incute e nos faz crer que precisamos disto ou daquilo. Curioso, que se os "pais" se pudessem vender, talvez nos incutissem que era uma necessidade termos "uns pais". Sim, porque tudo gira em volta do dinheiro.
No entanto parece-me existir uma diferença relativamente a isso do dinheiro.
Os nossos pais, lutavam, trabalhavam, etc por dinheiro sim. Os filhos também trabalham por dinheiro sim. No entanto, para os pais, o dinheiro era um meio, e para os filhos hoje, parece ser um fim. Posso não estar certa no que estou a dizer, mas as vezes parece-me isso.
Os pais queriam ter dinheiro para, comer, construírem casa, por os filhos a estudar, e depois por fim, guardar para deixarem de herança.
Os filhos, querem dinheiro para, terem filhos (mas só 1 ou 2 no máximo), alugar ou comprar casa (mas tem que ter ar condicionado, elevador e tvcabo), por os filhos a estudar (mas os professores que tomem conta deles e o estado lhes de os livros), para comprarem telemóvel, (mas DualSim); para comprarem carro (mas com jantes de liga leve no mínimo, e quanto mais extras melhor), para irem às compras nos hipermercados com o cartão dos pontos e quanto mais comprarem, mais desconto têm, nem que depois as coisas se estraguem em casa, e até dá direito a desconto no combustível, que é para atestar e puder passear à vontade. Que por sua vez até acumulando pontos, pode dar direito a uma viagem para um destino turístico, onde está muita coisa incluída, menos o saber "estar". Sim, porque o dinheiro dá para muita coisa menos o estudar ou formar-se mais um pouco, para no futuro puder recolher frutos. Mas os filhos não pensam muito assim a longo prazo, pensam mais no curto prazo. E primeiro "estou eu", depois "eu" e por fim os outros, como família ou pais.
Voltando atrás, os pais queriam o dinheiro para dar ou deixar aos filhos e os filhos? Querem o dinheiro para quê?

Relativamente aos pais, penso que também estes têm que fazer uma reflexão. No sentido de que, os filhos não são eternamente dos pais. O tudo que fizeram e deram aos filhos, tem que os fazer sentir livres. Os filhos não são vossos, vós fostes os instrumentos e o canal para eles virem fazer esta experiência na Vida. Mas não se agarrem, porque se não sofrem, e os filhos também claro!
Os filhos têm que fazer o seu caminho, tal como vós fizeste. Apesar de estarem em vantagem comparativamente aos pais, não quer dizer que não sintam as vossas dores e muitos reconhecem o vosso valor. E aquilo que agora mais esperariam era que descansassem e aproveitassem a experiência da Vida também. Não precisam mais continuar a lutar para terem para os filhos, eles já o fazem por si próprios. Não adianta continuar a protege-los como se fossem as crianças de ontem. Se fazem isso, eles não podem nem conseguem crescer. Reparem que foi a falta, o não ter que vos fez "Pessoas", Homens e Mulheres de Valor. Então agora deixem, larguem, eles também precisam de passar por dificuldades, pois na vida parece que só se aprende muitas vezes se não se tiver.
E tem que haver respeito de parte a parte. Cada um é como é, tem a sua personalidade, e é único. E é isso que tem de se aceitar.

Ora bem, resumindo e para que não me alongue mais, deixo-vos com esta reflexão e espero que com ela, vos possa, pais e filhos ajudar a tornar-nos mais conscientes para várias áreas da vida, uma delas relacionamentos entre gerações.

E tudo pode ser tranquilo, desde que exista aceitação de parte a parte. Nem é preciso compreender, mas se tivermos uma atitude compassiva e de gratidão, de certeza que tornará a todos o peso mais leve.
Precisamos todos uns dos outros, pais dos filhos e filhos dos pais. Como tal, não separe o homem o que Deus uniu. Isto é, que o material, o físico, o supérfluo não separe aquilo que Deus criou e uniu por e com Amor!
Carla Cristina Almeida, 16/07/2019